segunda-feira, 29 de março de 2010

Presenteísmo: trabalhando, mas sem cabeça

Trechos extraídos de matéria publicada na Revista Harvard sobre presenteísmo, até pouco tempo ouvia-se muito sobre absenteísmo (indicador de ausencia do colaborador no ambiente de trabalho), hoje o presenteísmo justificado por algums estudiosos como "perda de produtividade resultante de problemas de saúde reais" que ao serem "ignorados" pelo colaborador podem onerar de maneira considerável os custos que a empresa venha a ter com Planos de Saúde, está sendo considerado como um dos grandes vilões da baixa produtividade.


Presenteísmo: trabalhando, mas sem cabeça

Durante anos, Any Farler, que projeta componentes de transmissão para a fábrica de motores e caminhões International Truck and Engine, sofreu em silêncio com as crises de alergia. Aqui e ali, quando a sinusite se intensificava e se tornava uma enxaqueca terrível, chegava a perder um dia de trabalho. Mas em geral ia para o trabalho e suportava calada a congestão nasal e o desconforto causado pela alergia sazonal. "Às vezes dá vontade de arrancar a cabeça fora", diz a engenheira de 31 anos, que passa o dia no computador trabalhando com modelos em 3D. "Você se sente travado, com a cabeça nublada. Por causa da pressão, a vontade é de fechar os olhos. É difícil se concentrar. A gente acaba avançando de qualquer jeito".

Wood Allen já disse que 80% do sucesso na vida depende, simplesmente, de comparecer. Mas um volume crescente de estudos indica que - pelo menos no local de trabalho - tal estimativa talvez seja otimista demais. Segundo pesquisadores, o presenteísmo - ou seja, quando a pessoa está no trabalho, mas devido a algum problema de saúde não funciona plenamente - pode reduzir a produtividade individual em um terço ou mais. Aliás, pode ser um problema muito mais oneroso do que outro redutor de produtividade, o absenteísmo. E, ao contrário deste, o presenteísmo nem sempre é aparente. Sabemos quando alguém não apareceu para trabalhar, mas muitas vezes é difícil dizer se um problema médico qualquer está prejudicando o desempenho de alguém. "Por fora, parece tudo bem", diz Farler, que ao longo dos anos testou em vão diversos medicamentos, controlados ou não, para a alergia." Só que ninguém, sabe como você está se sentindo."

Um punhado de empresas - entre elas Intenational Truck and Engine, Bank One (comprado há pouco pelo JP Morgan Chase), Lockheed Martin e Comerica - começa a reconhecer o problema do presenteísmo e a tentar combate-lo. Para isso, é preciso determinar o grau da ocorrência de problemas médicos que prejudicam o desempenho, calcular a perda de produtividade resultante e combater essa queda com medidas de boa relação custo/benefício.

Ao contrário do absenteísmo, o presenteísmo nem sempre é aparente. Sabemos quando alguém não apareceu para trabalhar, mas muitas vezes é difícil dizer se um problemas médico qualquer está prejudicando o desempenho de alguém.

Como a área de estudos é nova, restam inúmeras dúvidas, inclusive a principal: até que ponto, exatamente, essas diversas doenças reduzem a produtividade? Pesquisadores estão descobrindo maneiras cada vez mais confiáveis de medir o fenômeno e concluindo que o presenteísmo custa a empresas bilhões de dólares por ano. Surgem provas indicando que investimentos relativamente pequenos na triagem, no tratamento e na educação de pessoal podem gerar ganhos substanciais da produtividade.

Males levados para o trabalho

O presenteísmo, tal como definido por estudiosos, não consiste em usar de má-fé (fingir uma enfermidade ou fugir aos deveres do trabalho), nem de fazer cera (navegar na internet, por exemplo, em vez de preparar um relatório). O termo - que vem ganhando aceitação apesar de incomodar certos acadêmicos pelo tom de modismo da palavra - se refere à perda da produtividade resultante de problemas de saúde reais. A pesquisa sobre presenteísmo parte do princípio de que o pessoal leva a sério o trabalho e que a maioria, se puder, precisa e quer seguir trabalhando.

"Estamos falando de gente que continua a comparecer ao trabalho mesmo doente, e que tenta achar maneiras de seguir em frente apesar dos sintomas", diz Debra Lerner, professora da Tufts University School of Medicine, em Boston. Lerner observa que o presenteísmo pode ser mais comum em momentos econômicos difíceis, quando se tem medo de perder o emprego. "Se cada trabalhador ficasse em casa toda vez que tem uma crise de mal crônico, o trabalho nunca seria feito." O fato de que certos chefes têm uma visão menos generosa das atitudes do pessoal serve de pano de fundo para o contínuo esforço de pesquisadores no sentido de documentar suas conclusões de maneira mais decisiva.

Muitos problemas médicos na raiz do presenteísmo são, pela própria natureza, relativamente benignos (afinal, uma doença mais séria costuma obrigar o indivíduo a ficar em casa, às vezes por períodos extensos). Logo, a pesquisa sobre o presenteísmo se concentra em doenças crônicas ou episódicas como alergias sazonais, asma, enxaqueca e outros tipos de dor de cabeça, dos nas costas, artrite, problemas gastrointestinais e depressão. Doenças progressivas com as cardíacas, ou câncer, que exigem tratamentos caros e em geral atingem as pessoas mais tarde na vida, são as que geram a maioria dos curtos diretos da empresa com saúde - ou seja, prêmios pagos pela empresa à seguradora ou, caso tenha seguro próprio, o reembolso do tratamento médico e de medicamentos. Mas as doenças que as pessoas levam consigo para o trabalho, ainda que tragam custos diretos muitos menores, costumam ser responsáveis por uma perda maior da produtividade. Como são muito generalizadas, é comum não serem tratadas - e, em geral, ocorrem na fase mais produtiva da vida. Tais custos indiretos há muito são praticamente invisíveis a empresas.

Uma doença afeta tanto o volume de trabalho (a pessoa pode trabalhar mais devagar do que de costume ou precisar repetir tarefas, por exemplo) como sua qualidade (a pessoa pode cometer mais erros ou erros mais sérios). Uma alergia como a de Amy Ferler, se não tratada, pode impedir a concentração. O mal-estar causado por problemas gastrointestinais - mesmo problemas comuns mas raramente comentados, como a síndrome do intestino irritável e a doença de refluxo gastroesofágico (a velha azia - é uma constante distração). Já a depressão causa, entre outras coisas, fadiga e irritabilidade, o que prejudica a capacidade de cooperação da pessoa.

É claro que cada problema tem um efeito distinto sobre cada ocupação. A depressão pode não prejudicar seriamente o desempenho de um mecânico de automóvel, mas a dor nas costas, sim. Já a dor na coluna pode não ser grande problema para um corretor de seguros, enquanto a depressão provavelmente será. Nos dois casos, o resultado é uma queda substancial da produtividade da pessoa.

Custos invisíveis

Estudos de grande divulgação nos últimos anos estimaram os custos de diversos males comuns no local de trabalho em nível nacional, nos EUA. No ano passado, dois artigos no Journal of The American Medical Association calcularam que a depressão custa a empresas americanas certa de US$ 35 bilhões ao ano em redução de desempenho no trabalho e que males como artrite, dor de cabeça e problemas nas costas custam quese US$ 47 bilhões. "A dor, seja qual for a causa, vai sempre resultar em tempo perdido no trabalho", diz o principal autor dos estudos, Walter F. Stewart, diretor do Center for Health Research & Rural Advocacy da Geisinger Health System, em Danville, Pensilvânia.

Estudiosos também tentaram quantificar o impacto de doenças em geral sobre a produtividade. Com a mesma metodologia usada para medir o custo da depressão e da dor - uma pesquisa por telefone de uma no inteiro com 29 mil trabalhadores adultos, a American Productivity Audit -, a equipe de Stewart calculou que o custo total do presenteísmo nos EUA é de mais de US$ 150 bilhões ao ano. E mais: a maioria dos estudos confirma que o presenteísmo é muito mais oneroso do que o afastamento ou o absenteísmo em virtude de doenças. Os dois estudos do Journal pf the American Medical Association, por exemplo, concluíram que a perda de produtividade no trabalho em virtude de depressão e dor cerca de três vezes maior do que a perda de produtividade ligada à falta decorrente de tais males. Ou seja, a perda de tempo era menor quando a pessoa ficava em casa do que quando vinha trabalhar mas era incapaz de dar o máximo de si.

Um campo emergente

A produtividade, já um conceito escorregadio, é particularmente difícil de medir na economia pós-fabril de hoje, menos voltada a produtos materiais, na qual tão pouco do que produzimos pode ser contado. Diante disso, estudiosos recorrem a questionários para perguntar se o trabalhador tem algum problema de saúde e, se tiver, o quanto ele prejudica seu desempenho. Há hoje pelo menos meia dúzia de instrumentos de avaliação em uso, cada qual examinando queda na produtividade de uma perspectiva ligeiramente distinta. Um deles, criado por Stewart - da Geisinger Health System - e usado na American Produtivity Audit, pergunta ao trabalhador quanto tempo de trabalho produtivo ele calcula ter perdido devido a problemas de saúde. Outro, desenvolvido por Ronald Kessler, professor da Harvard Medical School, sonda a pessoas sobre seu desempenho geral, foi adotado pela Organização Mundial de Saúde e será usado no início do ano que vem em um dos grandes estudos regionais patrocinados por organizações comerciais no meio-oeste e no sudeste dos EUA. Um terceiro, elaborado por Debra Lerner na Tufts, analisa os vários impactos que a uma doença pode ter sobre a capacidade funcional da pessoa e como tal combinação afeta diferentes ocupações. Está sendo usado por diversos pesquisadores acadêmicos, laboratórios farmacêuticos e empresas - incluindo a Lockheed, no estudo-piloto já citado.

Essas e outras abordagens à pesquisa resultaram em estimativas bastante diversas da queda de produtividade no trabalho. Segundo um exame recente das pesquisas realizadas, as estimativas variam de menos de 20% do total de gastos com saúde na empresa até mais de 60%. Sem um instrumento padronizado de mensuração, "há muita confusão sobre o que está sendo medido". reconhece Stewart. Há outros problemas na pesquisa. Um declínio relativamente pequeno no desempenho de uma pessoa, por exemplo, pode ter efeito dominó sobre a equipe inteira, que se atrasa no cronograma porque aquela pessoa que faltou, por exemplo, a uma reunião. Estudiosos continuam a lutar contra desafios como medir o efeito relativo de dada doença sobre a produtividade no caso de trabalhadores acometidos por mais de um problema de saúde.

Muitos executivos - e inclusive alguns acadêmicos da área - fazem ressalvas quanto ao uso de questionários para coleta de dados sobre o problema e vêem com suspeita as estimativas elevadas sobre seu custo. A lista de céticos inclui executivos financeiros e administradores de benefícios, acostumados a citar até o último centavo a cifra gasta pela empresa em benefícios médicos e farmacêuticos. "Há quem duvide", reconhece Sean Sullivan, presidente do Institute for Health and Productivity Management, organização composta de grandes empresas, planos de saúde, laboratórios farmacêuticos e outros interessados na relação entre a saúde do pessoal e os resultados da empresa. "É gente que pede para ver 'dados concretos'". Mas na economia moderna, simplesmente não é possível contar com dados concretos."

Independentemente das limitações dos atuais instrumentos de medição e pesquisa, a maioria concorda que o presenteísmo é um problema para a empresa: quem não se sente bem simplesmente não dá o melhor de si no trabalho.

Mas uma coisa é mostrar que existe um problema - e oura demonstrar que existe uma solução. E, se existe, que os benefícios justificam o investimento.

Um objeto fundamental de pesquisa sobre o presenteísmo é identificar medidas de boa relação custo/benefício a serem adotadas pela empresa para recuperar ainda que parte da produtividade perdida por problemas de saúde.

Naturalmente, o primeiro passo é a conscientização - sua e de seus gestores - sobre o problema. Walter Stewart lembra da pesquisa que realizou nos fins da década de 1990, quando era professor de saúde pública na Johns Hopkins University, sobre o impacto da enxaqueca na produtividade. No início, nem ele acreditava na magnitude de suas próprias constatações. Foi então que o pessoal da própria universidade começou a relatar o quanto a enxaqueca afetava seu trabalho. A maior surpresa veio anos depois, numa festa, quando conversava com a gerente de projetos desse estudo sobre a enxaqueca. Ela lhe disse que, mais ou menos duas vezes por mês, fechava a porta de sua sala assim que chegava à faculdade, apagava a luz e deitava a cabeça na mesa. O problema: enxaqueca, claro. "Veja só: eu, um 'especialista nacional no assunto' e nem sabia o que passava na minha própria equipe", disse.

O passo seguinte é descobrir que problemas de saúde específicos afetam seus funcionários. Isso talvez exija um estudo formal. Mas, para começar, é possível simplesmente examinar sua força de trabalho com a questão saúde em mente. Lerner, da Tufts, assim resume: "Uma empresa talvez diga: 'Temos uma força de trabalho majoritariamente feminina e nossa rentabilidade depende da prestação de um excelente atendimento ao cliente. A mulher é mais sujeita do que o homem à depressão, algo que pode afetar a relação com clientes. Logo, talvez devêssemos fazer algo a respeito'"

Educar o pessoal também é vital. Talvez seja útil criar programas para evitar que uma doença passe despercebida - ou, como no caso de Amy Ferler, que seja equivocadamente diagnosticada. Um estudo do Comerica sobre a síndrome do intestino irritável revelou que alguns funcionários haviam passado anos em consultas em vão com vários médicos - até cinco ou seis - que davam um diagnóstico errado. Num esforço equivocado para aliviar a dor, muitos tinham até se submetido a cirurgias exploratórias como apendicectomia ou histerectomia.

Também é importante ensinar os funcionários a administrar melhor seu problema de saúde. Um recente programa de educação na Lockheed Martin sobre a artrite dava explicações sobre opções de tratamento e conselhos para tornar a visita ao médico mais produtiva. O Comerica patrocinou uma série de sessões de uma hora durante o almoço - lideradas por gastroenterologistas, eram voltadas a conselhos práticos para aliviar problemas intestinais, como mudar a alimentação e reduzir o stress. Tais programas em geral frisam a importância de tomar regularmente os remédios.

Embora tais iniciativas possam soar simples, o desafio de aprimorar a educação sobre a saúde está longe do trivial.

Uma peça no quebra-cabeça

Custo ou investimento? Essa é a pergunta subjacente a uma leva de pesquisas sobre o vasto tema do "capital humano". Assim como o custo de treinamento é visto por muitos como um investimento numa força de trabalho qualificada, despesas com saúde são vistas como o investimento numa força de trabalho saudável.- e cuja produtividade não seja minada por problemas de saúde relativamente menores, porém comuns. Em ambos os casos, espera-se que haja bons resultados comerciais.

"Uma gestão melhor da saúde do trabalhador pode levar a mais produtividade, o que por sua vez pode criar uma vantagem competitiva nos negócios", diz Sena Sullivan, do Institute for Health na Productivity Management. Com efeito, ascrescenta Sullivan, investimentos para reduzir o presenteísmo, por serem tão raros, trazem maiores oportunidades para que um empresa fique à frente das rivais do que o investido em áreas tradicionais, como treinamento.

Trechos extraídos da matéria publicada na
Revista Harvard